domingo, 9 de outubro de 2011

ENTREVISTA
Graça Azevedo, Suma Sacerdotisa do Templo Casa Telucama, fala sobre bruxos
Lorena Souza
Revista Opa
 
Num dia nublado de Sábado, Graça Azevedo abriu as portas da sua casa, o Templo Casa Telucama, em Lauro de Freitas, para receber a Revista Opa. A Suma Sacerdotisa da mais famosa tradição de bruxos da Bahia reverteu o cansaço que sentia, devido a uma lida conturbada por causa da chuva, em uma conversa prazerosa. Numa área aberta do Templo, em meio a esculturas, pinturas (algumas feitas por ela) e sob a observação de um gato chamado Mabon, Graça contou um pouco sobre os bruxos, sua história e do Templo Telucana 
   
                                                          
1. Qual o significado de ser bruxo?
Ser Bruxo é uma filosofia de vida. Tem a ver com a essência primordial do ser. Os bruxos são pessoas muito ligadas, efetivamente, à natureza, mas a natureza num leque muito amplo. Ser bruxo não é só ser um ecologista ou ser uma pessoa afetiva com as coisas naturais. É, principalmente, se perceber um elemento vibrante dentro desse grande útero que nos acolhe, que é o planeta terra.  E que ser vibrante é esse? É o ser que se autoconhece e que não se permite entrar na egrégora do mal, porque o bem e o mal são energias do planeta. Porque tudo é dual. E a partir do momento que esse ser se descobre como elemento catalisador das harmonias do universo, então ele se descobre bruxo. Evidentemente que antes da idade cristã esse estado de ser era absolutamente natural. E a partir do momento que você entra nesse estado de ser, você entra na amplitude com as leis que regem o universo. Isso é ser um bruxo
2. Qual a principal missão de quem entra na Antiga Prática?
Ter consciência de sua condição no planeta. Ao entrar nos mistérios, que nós detemos ao longo dos séculos, esse ser despertado vai buscar, como sempre foi desde antes da era cristã, nas escolas de mistérios o aprendizado. A partir do cristianismo, com as leis cristãs, como a Inquisição, os grandes clãs e os grandes colegiados tiveram que recuar, porque na verdade a inquisição atingiu mais o povo do campo, os mais ignorantes. Mas os grandes clãs e colegiados recuaram, fortaleceram, se trancaram e quem foi mesmo pra fogueira foi o povo humilde do campo. A inquisição matou mais que as duas guerras. A igreja católica tem essa sombra na sua história. Óbvio que muitos bruxos devem ter morrido, mas os grandes mestres, as grandes soros e sacerdotisas não chegaram a ser atingidos porque recuaram, recolheram seus conhecimentos. Por que nos denominamos família? Porque é uma forma nuclear, ou seja, de núcleo social de se preservar e por isso está intacta até hoje.
3. Como a Templo Casa Telucama chegou ao Brasil?
A minha avó era da Tradição celta-ibérica.  Ela trouxe esse conhecimento de uma forma muito familiar, não como um colegiado como conhecemos hoje. Até porque em 1917 isso era impossível. Ela era casada com um cristão, de uma família relativamente nobre, que jamais permitiria que ela exercitasse seus ensinamentos da Tradição. Então, isso ficou muito em família. Mas ela passou, principalmente para mim, o Dakar, que é o direito de abrir um Templo. Isso vem a séculos na nossa família. Então, eu voltei a Portugal e busquei junto a outras Tradições como a Lua Azul, a Mamaheia de Hama de Oliveira, que me iniciaram e me formaram como sacerdotisa. Como a minha linhagem de família era Telucama, quando eu voltei para o Brasil optei abrir o Templo Casa Telucama. Obviamente, reverenciando as minhas ancestrais.
4. Como foi o seu caminho até torna-se Suma Sacerdotisa?
Árduo, porque há 35 anos quem falava nisso no Brasil? Era muito velado, era oculto, muito “pé de fogão” como nós falamos. Então, eu tinha que ficar muito mais na Europa do que aqui e foi lá que me formei nos colegiados, com outros sistemas metodológicos, que hoje eu tive que fazer uma readaptação dentro do colegiado da Escola Ponto de Mutação para que nos não fossemos de encontro às origens, aos método de oralidade.
5. Quais são os critérios para fazer parte de Telucama?
Hoje, são critérios menos flexíveis pelo fato de que virou moda no mundo todo ser bruxo e isso nos preocupa muito. Eu faço parte do Conselho Nacional de Bruxaria Tradicional, porque tem que ficar bem claro a diferença de Wicca para a Bruxaria Tradicional. Nós não somos Wicca. Não tenho nada contra, acho até louvável, porque é o despertar da deusa, a senhora mãe, a natureza despertando e a partir do momento que as pessoas vão lhe louvar, lhe proteger, assegurar sua energia no planeta. Isso é muito importante.  Agora, quanto a ser um bruxo tradicional tem outra conotação, outro sistema de atuação, principalmente no que diz respeito ao colegiado. Nós não aceitamos a auto-iniciação, até porque você precisa de uma guiança, uma forma chegar ao conhecimento dos mistérios. No nosso colegiado, temos o princípio primordial de que os dois primeiros anos são de puro autoconhecimento. Em todos os tempos jamais ninguém chegou ao sacerdócio só pelo conhecimento literário. Todos os livros de bruxaria falam a mesma coisa, só muda a conotação literária que tem a ver com cada escritor, mas é tudo a mesma coisa. Então, para que você tenha o acesso ao verdadeiro caminho para o sacerdócio, precisa de, no mínimo, 7 anos de colegiado.
6. Como é o processo para tornar-se um iniciado em Telucama?
Primeiro, passar por uma entrevista com os psicólogos atuante do templo, depois você é postulante. Significa que você vai começar um trabalho direcionado de autoconhecimento, um trabalho paralelo de história, que é todo o movimento da condição humana no planeta terra, desde a época paleolítica, quando o homem desperta enquanto ser, até os dias atuais. Esse é o primeiro ano. Feito esse processo de postulação, então você vai passar para o primeiro ano propriamente dito, que é codificado com cordões: cordão branco, cordão azul, marrom, amarelo, o duplo vermelho e índigo e, por último, o vermelho, que é sacerdotal. Então, no primeiro ano você define se realmente é o que você quer pra você. E só assim tem acesso ao colegiado. Então, você vai estruturar sua formação de bruxo, tendo acesso aos mistérios, aos sigilos, aos nossos livros de tradição, que só são passados a partir do primeiro ano porque nossos ancestrais deram a vida para a manutenção dessa cultura.
7. O que significa Telucama?
Terra, Lua, Caminho da magia. É uma história folclórica interessante. Nós não temos uma precisão exata do tempo em que as nossas ancestrais desciam migrando, ainda na época do império romano, quando os celtas eram perseguidos. Numa dessas imigrações, a caravana descia pelo norte da Espanha para entrar em Portugal, fugindo da perseguição do exército romano. E quando a caravana vinha com mais de 700 pessoas para se instalar após os Pirineus, descendo pela região de Gaia, houve um ataque de salteadores, como era muito comum naquela época. E por uma história de tradição celta, a preservação dos idosos é absoluta. Criança e Idoso para a gente é sagrado. Então, eles vinham nas últimas carroças da caravana e na frente vinham os jovens, os guerreiros, as guerreiras, porque homem e mulher têm a mesma igualdade e função na aldeia, apesar de nós sermos matriarcais, porém matrifocais. Nesse ataque, as senhoras das últimas carroças perceberam que na frente estava sendo salteado. E nessas últimas carroças vinham os alimentos, com batatas, maçãs, abóboras. Prevendo que mais uma vez elas ficariam sem alimentos, porque além do exército romano levar com eles os jovens guerreiros para servirem de escravo, levava os tesouros, porque os celtas eram famosos de trabalhar com jóias, e, principalmente, o alimento, que era o mais sagrado, principalmente o trigo, a maçã e as batatas. Então. nesse determinado assalto, as senhoras que usavam sete saias, como hoje nós usamos em cerimônias sagradas, pegaram as bainhas e encheram de sementes de abóboras e batatas. Quando o exército chegou, a carroça já estava praticamente vazia. Eles pegaram o que tiveram que pegar e foram embora. O resultado é que elas chegaram até determinada região e se instalaram. Mas como as ferramentas foram levadas pelos salteadores, as mulheres iam à noite aos celeiros e roubavam as ferramentas dos vizinhos. Quando chegou a época da primeira colheita, que foi absoluta, maravilhosa, elas pegaram as carroças e saíram numa noite de lua cheia colocando abóboras e batatas como presente nos locais onde haviam roubado as ferramentas. E esse caminho de retorno, elas deram o nome de Terra, Lua, Caminho da Magia. Com o passar do tempo, o termo foi sendo readaptado, tornando-se praticamente uma sigla: Telucama.
8. Quais as atividades desenvolvidas no Templo Casa de Telucama?
O Templo tem vários departamentos. A área de saúde é a parte de atendimento holístico, pois temos vários terapeutas na casa. Atendemos com hora marcada Reiki, Pedras Quentes, Alinhamento dos Chakras, Limpeza dos Chakras. Na parte social, nós atendemos um grupo de 350 idosos cadastrados nas invasões que nós damos assistência espiritual. Eles vêm uma vez por mês, fazem meditação, reflexão através de textos e dinâmica em grupo. Em agosto, quando nós celebramos a Hécate, fazemos uma partilha de roupas e alimentos e em dezembro nós fazemos outra partilha de alimentos. Outro departamento também é o das Senhoras das Florestas, que é um grupo só de avós, que fazem todo o trabalho de decoração artesanal da casa.
9. A Antiga Prática é erguida em sintonia com a natureza. Os elementos, os animais e a flora têm papel fundamental para a prática da bruxaria. Como o avanço da destruição do meio ambiente tem afetado os ritos?
Energeticamente, não. Até porque essa energia faz parte da cura coletiva, que é um exercício pleno que jamais deixamos de praticar. Mas já estamos sentido, principalmente aqui no Litoral Norte, algumas diferenças no nosso inverno. Antes nós nos preparávamos somente para a tempestade de verão e nesses anos nós tivemos tempestades que se estenderam pelo próprio inverno. Por causa dessas tempestades, nós já sofremos 4 enchentes. Então, nós já estamos voltando nossa atenção para a possibilidade dessa mudança climática.
10. A bruxaria é uma tradição milenar, que remonta a cerca de 10 mil anos. O que mais mudou desde os primórdios e o que se mantém inalterado?
Nós continuamos fazendo nossos ritos. Para quem é tradicional, nada mudou. Continuamos na íntegra, mas para isso é preciso ter uma formação de colegiado. Porém, principalmente nas últimas três décadas, mudamos a metodologia de passagem de conhecimento pela oralidade. Hoje, as pessoas têm uma mente com muito acúmulo de informação e foi preciso que se fizesse uma readaptação. Então, trabalhamos muito mais a prática, vivência e dinâmicas do que como nossas ancestrais faziam: sentadas, contando histórias.
11. Como se desenvolveu o preconceito e deturpação aos bruxos?
A partir do advento do Cristianismo. E quando o patriarcado, os bispos e o clero fechado na figura masculina começaram a se incomodar muito já no Império Romano. Foi aí que começou a história. E quem escreve a história até hoje é a Igreja Católica, principalmente aqui no Brasil. E quem conta a história são os vencedores. Olha a Walt Disney e as histórias de bruxa má. Mas a gente não está se importando tanto com isso até porque nós estamos vivendo um momento de desmistificar, de mostrar o que é ser bruxa. E para começar, a palavra “Bruxa” vem de uma terminação do inglês arcaico que quer dizer “sabedoria”, que é buscar a sapiência de viver.
12. Como a Antiga Prática pode ser aplicada na modernidade?
Principalmente na potencialização do ser humano. No dia que o homem tiver a plena consciência de sua posição no sistema cósmico universal, aí a bruxaria estará colaborando para a harmonia do universo, principalmente do Planeta Terra.

2 comentários:

Fabio disse...

As respostas apresentadas pela Senhora Telucama foram formidáveis!!!
Realmente uma bela entrevista.

Assim Seja!

Fabio disse...

As respostas apresentadas pela Senhora Telucama foram formidáveis.
Realmente uma bela entrevista.

Assim Seja!!!